Antes de tudo, gostaria de acrescentar que é com muito orgulho e especial carinho que escrevo este post sobre este amplo trabalho dos amigos e parceiros de Weihenstephan, Arndt Nobis, Florian Lehnhardt, Martina Gastl e Thomas Becker, entre os demais autores.
Introdução
Os aldeídos são conhecidos como marcadores chave do envelhecimento da cerveja, resultando em mudanças sensoriais significativas durante o armazenamento, principalmente a deterioração de sabor. Estes compostos voláteis podem ser formados por liberação de aldeídos ligados e formação de novo, relacionados a processos químicos como a reação de Maillard, caramelização, degradação de Strecker e oxidação de lipídios. Com o envelhecimento, a concentração de aldeídos na cerveja aumenta, sendo esta mudança frequentemente associada à perda de qualidade sensorial, incluindo a introdução de sabores desagradáveis, como o “papelão” causado pelo trans-2-nonenal.
A formação “de novo” refere-se à criação de novos compostos que não estavam presentes originalmente em um sistema ou processo. No contexto, refere à geração de aldeídos a partir de precursores que já estão presentes no mosto ou cerveja. Esses aldeídos não são simplesmente liberados de formas ligadas ou mascaradas, mas são formados através de reações químicas que ocorrem. Por exemplo, na degradação de Strecker, aminoácidos como a leucina podem reagir com compostos dicarbonílicos para formar aldeídos como o 3-metilbutanal, que contribuem para sabores indesejados e deterioração sensorial ao longo do tempo.
Figura: visão geral das reações relevantes, principais reagentes, precursores e indicadores de envelhecimento das cervejas Figura adaptada de Nobis et al., 2021.
Não só durante o armazenamento da cerveja, os aldeídos também são formados durante o processo de fabrico do mosto, principalmente durante a fervura, devido às condições ideais de temperatura e pH para essas reações. Os três artigos analisados investigaram os mecanismos pelos quais os aldeídos são formados e liberados durante o processo de produção da cerveja e seu envelhecimento, com foco na influência do nível de modificação proteolítica do malte e sua correlação com a formação de aldeídos:
Artigo 1: Influência da Modificação Proteolítica do Malte no Potencial de Envelhecimento do Mosto Final (Nobis et al., 2021):
- Objetivo: Avaliar como diferentes níveis de modificação proteolítica do malte afetam a formação de precursores e aldeídos livres e ligados durante a fervura do mosto.
- Metodologia: Foram produzidos seis mostos usando duas variedades de cevada e três níveis de modificação do malte. As concentrações de aminoácidos, dicarbonílicos e aldeídos foram medidas durante o processo de fervura.
- Resultados: A modificação mais intensa do malte resultou em maiores concentrações de aldeídos como 2-metilpropanal, 2-metilbutanal e 3-metilbutanal, tanto em suas formas livres quanto ligadas. Isso indicou um aumento no potencial de envelhecimento do mosto.
Artigo 2: Avaliação Abrangente da Instabilidade de Sabor da Cerveja (Parte 1): Influência dos Aldeídos em Estado Ligado (Lehnhardt et al., 2021):
- Objetivo: Examinar o papel dos aldeídos ligados e sua liberação durante o envelhecimento da cerveja.
- Metodologia: Amostras de cerveja foram submetidas a envelhecimento natural e forçado, e as concentrações de aldeídos ligados e livres foram analisadas ao longo do tempo.
- Resultados: As cervejas com maior modificação proteolítica apresentaram mais aldeídos em estado ligado no início do envelhecimento, e essas formas ligadas foram gradualmente liberadas, contribuindo para a instabilidade sensorial. A liberação de aldeídos em estágio inicial foi identificada como um marcador útil para prever a instabilidade do sabor.
Artigo 3: Avaliação Abrangente da Instabilidade de Sabor da Cerveja (Parte 2): Formação de Aldeídos De Novo (Nobis et al., 2021):
- Objetivo: Investigar a formação de novo de aldeídos durante o envelhecimento da cerveja e a influência dos níveis de modificação proteolítica.
- Metodologia: Foram analisados seis tipos de cerveja, variando os níveis de modificação proteolítica do malte, ao longo de um período de envelhecimento de quatro meses.
- Resultados: A formação de novo de aldeídos foi mais prevalente em cervejas com níveis mais altos de aminoácidos e dicarbonílicos, principalmente pela degradação de Strecker. Os aldeídos como 2-metilpropanal, 3-metilbutanal e fenilacetaldeído aumentaram significativamente ao longo do tempo, evidenciando que a instabilidade sensorial da cerveja é agravada por níveis elevados de precursores no início da produção.
Conclusões
Estes estudos apontam que a modificação proteolítica do malte desempenha um papel crucial na formação de aldeídos, tanto na fase de produção quanto durante o envelhecimento da cerveja. Maltes mais intensamente modificados proteoliticamente aumentam os precursores que resultam em maiores concentrações de aldeídos, especialmente durante o envelhecimento forçado e natural. Este conhecimento pode ajudar cervejeiros a ajustar o processo de malteação (ou na escolha de maltes) para minimizar a formação de aldeídos indesejados, promovendo assim maior estabilidade sensorial da cerveja.
Principais Insights:
- A liberação de aldeídos ligados e a formação de novo de aldeídos são os principais processos envolvidos na instabilidade sensorial da cerveja durante o armazenamento.
- Aldeídos como o trans-2-nonenal são marcadores críticos do envelhecimento da cerveja, responsáveis por notas indesejadas de sabor “papelão”.
- O nível de modificação proteolítica do malte influencia diretamente a formação de precursores de aldeídos, especialmente aminoácidos e compostos dicarbonílicos.
- A análise sensorial e química combinada pode prever a instabilidade do sabor desde a fase de produção.
Referências:
- Nobis, A., Lehnhardt, F., Gebauer, M., Becker, T., Gastl, M. (2021). The Influence of Proteolytic Malt Modification on the Aging Potential of Final Wort. Foods, 10, 2320.
- Lehnhardt, F., Nobis, A., Skornia, A., Becker, T., Gastl, M. (2021). A Comprehensive Evaluation of Flavor Instability of Beer (Part 1): Influence of Release of Bound State Aldehydes. Foods, 10, 2432.
- Nobis, A., Kwasnicki, M., Lehnhardt, F., Hellwig, M., Henle, T., Becker, T., Gastl, M. (2021). A Comprehensive Evaluation of Flavor Instability of Beer (Part 2): The Influence of De Novo Formation of Aging Aldehydes. Foods, 10, 2668.
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